O uso dos celulares nas salas de aulas gerou muitos debates nas últimas semanas. Apesar de não fornecer muitos detalhes, o MEC (Ministério da Educação) informou que trabalha em um projeto para proibir o aparelho nas escolas. Isso foi suficiente para suscitar as discussões. Nesta semana, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), enviou à Assembleia Legislativa do estado uma proposta para restringir o acesso ao aparelho nas instituições de ensino, permitindo apenas fora do horário das disciplinas.
Em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a medida, reconhecendo que o tema vai ser enfrentado com dificuldade. De acordo com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), ao menos um em cada quatro países do mundo já implementou leis que proíbem o uso de smartphones nas escolas. Segundo o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o uso excessivo do aparelho em salas de aula atrapalha o desempenho dos alunos no Brasil e em outros países.
Para a pedagoga e psicopedagoga Lilian Miranda, há benefícios e desafios no uso do celular em ambientes de aprendizagem. “O uso inadequado do celular, atualmente, precisa ser revisto por todos grupos sociais. É um modelo que tem refletido no ambiente escolar”, avaliou.
Países como a Finlândia e a China, que adotam postura parecida, trabalharam a conscientização social antes da proibição, de acordo com a especialista. Ela explicou que todas as escolas brasileiras têm regras sobre o uso do aparelho, mas que enfrentam dificuldades em criar limites para que o aluno entenda que não pode usar o equipamento de “forma inadequada”.
Lilian, porém, destacou que a escola deve ser um ambiente de transformação e que a proibição, talvez, não eduque o aluno. “Existe um prejuízo e passou da hora de ser debatido”, pontuou. “Temos uma necessidade real de remodelar um comportamento social. Precisamos pensar na escola como um local de transformação. Estaríamos educando com a proibição? Ou poderíamos dialogar estratégias de restrição de acesso, do uso do aparelho como ferramenta pedagógica, da conscientização, da roda de debates e envolver os alunos nesse processo?”
A psicopedagoga explicou que o uso excessivo do celular pode fazer o aluno perder o desempenho da atenção sustentada, que é a capacidade de desenvolver uma tarefa por um longo período de tempo, além de aumentar a ansiedade. Desse modo, prejudica a aprendizagem. “Ele está querendo ampliar suas conexões”, explicou. “O pensamento dele está sendo competido entre aula e o desejo de conectar.”
Apesar disso, a especialista elencou como necessário que os órgãos competentes trabalhem o uso do aparelho nas escolas, capacitando os professores e educando os alunos. “Não vi a âmbito nacional os órgãos competentes falando do uso do celular como uma ferramenta válida”, destacou.
Ela explicou que não é possível mais projetar o ambiente de ensino sem a tecnologia e pontuou que, muitas escolas públicas, não têm sequer o acesso a ferramentas de informática que funcionam. “Pergunto se temos em todas as escolas todos os laboratórios com ferramentas de informática? O governo tem condições de proporcionar essas ferramentas de informática? Não teria? Então, porque não partimos do pressuposto de transformar essa realidade?”, interpelou.
Conforme Lilian, é preciso pensar no aluno como social e em como atingir as famílias com uma abordagem reflexiva sobre o uso demasiado da tecnologia. “Esse é um comportamento não só do aluno, é um reflexo do que se vê na sociedade”, declarou.
Professor de educação física do ensino infantil e fundamental I e II, Adriano Michelini classificou o uso do celular nas escolas como um “desafio”. Para ele, o aparelho se tornou um “material escolar”. Ele diz não ser favorável à retirada total, mas acha importante ensinar o aluno a como usar o aparelho como uma das formas no processo educacional.
O professor explicou ainda que, nas turmas em que leciona, tem “combinados” com os alunos. “Tenho o combinado de não subir na quadra com celular porque, se cair uma bola no aparelho, ninguém vai se responsabilizar. Fecho a porta da sala e ninguém entra [enquanto estiverem na quadra]. Um ou outro, vai ter um conflito, mas nada maior. Dá para contornar”, contou.
Apesar de alegar nunca ter qualquer conflito com um aluno sobre o tema, Michelini contou que tem colegas professores que já enfrentaram, até mesmo, boletins de ocorrência. “O professor pediu o celular para o aluno, que não quis entregar, e o professor colocou a mão no telefone, e não pode…”, relatou.
Comissão de Educação do Senado vai avaliar proposta do MEC
O presidente da Comissão de Educação do Senado, Flávio Arns (PSB-PR), defendeu um debate amplo sobre o tema. Ele, porém, disse não ter sido procurado pelo MEC para discutir o assunto, e que ficou sabendo da proposta por meio da imprensa.
“Há benefícios importantes que um celular pode trazer para crianças, adolescentes e adultos”, contou ao R7. “É um instrumento que o aluno pode ter em casa, no ônibus, para estudar. Mas o uso excessivo, na escola, leva a problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão, suicídio, automutilação. O grande desafio é acharmos um ponto de equilíbrio, evitando os excessos.”
Arns defendeu chamar o MEC, a Unesco, entidades sociais, pais e alunos para discutir o assunto no Congresso Nacional. “É um tema que interessa: proibir, ou não. Mas devemos trazer para essa conversa os professores e os estudantes para eles falarem o que pensam”, ponderou.
O senador disse ainda que, independentemente do envio do projeto ao Congresso, o colegiado vai aprovar requerimentos para iniciar o debate sobre o tema após as eleições municipais, que ocorrem em 6 de outubro. Além disso, contou que a discussão pode suscitar a apresentação de outra proposta por parte dos congressistas.
“Já na primeira audiência, o MEC estará presente”, finalizou. “Mas nada impede, os senadores que decidem isso, se, em função do debate, houver uma iniciativa para apresentação de um projeto fruto do entendimento de diversos partidos que fazem parte da comissão.”