Cuiabá, 05 de Dezembro de 2025

OPINIÃO Sexta-feira, 05 de Dezembro de 2025, 07:52 - A | A

Sexta-feira, 05 de Dezembro de 2025, 07h:52 - A | A

Ieda Mendes

Solo saudável: o grande trabalhador da agricultura brasileira

Ieda Mendes

No dia 5 de dezembro celebramos o Dia Mundial do Solo, uma data que nos convida a olhar com mais atenção para o recurso natural que sustenta a vida no planeta. Para quem trabalha com agricultura, como nós na Embrapa Cerrados, que completa 50 anos de pesquisas em 2025, essa é também uma oportunidade de reafirmar um compromisso: ajudar a manter nossos solos vivos, biologicamente ativos, produtivos e resilientes.

O solo é o grande trabalhador das fazendas brasileiras. É ele que sustenta as plantas, armazena água, sequestra carbono, reduz a emissão de gases de efeito estufa, cicla nutrientes e abriga a maior biodiversidade do planeta. Assim como qualquer empresa busca manter seus funcionários saudáveis para que desempenhem bem suas funções, a agricultura precisa garantir que o solo esteja em equilíbrio. Solo doente pode até produzir no presente, mas compromete o futuro.

Solo saudável significa mais produtividade, mais água disponível, menor presença de pragas, maior sequestro de carbono, menos gases de efeito estufa na atmosfera e alimentos de melhor qualidade. Estudos científicos já demonstram, por exemplo, que grãos de soja produzidos em solos saudáveis apresentam maior teor de proteína e flavonoides. Isso é importante para a indústria, para a exportação e, principalmente, para a nutrição humana.

Inspiração na natureza

Mas solo saudável não acontece por acaso. Ele é resultado de manejo inteligente, inspirado na natureza: com diversidade de plantas, cobertura permanente (preferencialmente plantas vivas cobrindo o solo o ano inteiro), mínimo revolvimento, integração entre lavoura, pecuária e floresta. Entre as estratégias mais eficazes, destaco o uso da braquiária como planta de cobertura. Suas raízes profundas transformam a estrutura do solo e fortalecem sua vida biológica. É, verdadeiramente, a melhor “vacina” para recuperar solos doentes.

Durante muito tempo, ao analisar solos, enxergávamos apenas a química: nutrientes em falta ou em excesso. Mas solo não é apenas areia, silte e argila. O solo é vida, funciona como um superorganismo. E para cuidar dessa vida, precisamos medi-la. Foi com esse propósito que, depois de duas décadas de pesquisa, a Embrapa lançou em 2020 uma tecnologia inovadora: a Bioanálise de Solos (BioAS), um verdadeiro “exame de sangue” do solo capaz de diagnosticar a saúde do solo com base em sua atividade biológica.

Esse exame, hoje disponível em mais de 30 laboratórios comerciais do país que formam a Rede Embrapa de BioAS, utiliza a determinação de duas enzimas-chave dos ciclos do carbono e do enxofre para indicar se o solo está saudável, adoecendo, doente ou em recuperação. Em parceria com esses laboratórios comercias, estamos formando o maior banco de informações sobre saúde do solo do mundo, cobrindo os 27 estados brasileiros e os mais diversos sistemas agrícolas, incluindo lavouras e pastagens. 

Hoje já são milhares de amostras que revelam uma mensagem importante: a maior parte dos nossos solos está saudável ou em processo de recuperação. Esse dado reflete o esforço e o comprometimento do agricultor brasileiro em conservar o principal ativo de sua propriedade. E o mais transformador é o que estamos fazendo com esses dados. Cada resultado emitido pelos laboratórios será integrado gradativamente à Plataforma Saúde do Solo BR: solos resilientes para sistemas agrícolas sustentáveis, lançada oficialmente na COP 30.

A Plataforma disponibiliza dados de saúde do solo por estado e município e já reúne informações de cerca de 56 mil amostras, provenientes de 1.502 municípios de todas as regiões do País. A ferramenta foi construída a partir da geoespacialização dos dados da BioAS. O sistema permite filtros por estado, município, ano, culturas e texturas de solo, além de comparações entre diferentes culturas agrícolas. Também gera mapas e gráficos baseados nas funções da bioanálise como ciclagem, armazenamento e suprimento de nutrientes. 

Cuidar do solo é cuidar da água, do clima, da biodiversidade e das pessoas. Se o solo está saudável, todo o sistema prospera. É o mantra atemporal da agronomia tão bem difundido pela dra. Ana Primavesi: solos saudáveis, plantas saudáveis, pessoas e animais saudáveis, planeta saudável. Tudo conectado. Por isso, no Dia Mundial do Solo, reforço um convite: que continuemos reconhecendo o valor desse patrimônio e adotando práticas que assegurem um ambiente agrícola produtivo hoje e no futuro.

O solo é vivo. E, como afirma o dr. Rattan Lal, vencedor do Prêmio Mundial da Alimentação (2020), sendo a essência de toda a vida, os solos têm o direito de serem protegidos, restaurados, prosperarem e serem manejados com consciência. Esse é o caminho para manter o Brasil na vanguarda da agricultura sustentável. E é isso que, há cinco décadas, nos move na Embrapa Cerrados: produzir conhecimento para que a terra continue produzindo vida.

Ieda Mendes - Pesquisadora da Embrapa Cerrados

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