Há aprendizados que só surgem quando nos afastamos do familiar. É aquela ideia de que, às vezes, “é preciso sair da ilha para enxergar a ilha”. Este ano me mostrou isso com uma clareza surpreendente. Em cada viagem, encontro e reflexão, a governança ganhou novos contornos, e a Brandão Governança passou a olhar para si com outra profundidade às vésperas do seu quinto ano.
Conduzir uma empresa liderada por mulheres em Mato Grosso tem um significado que ultrapassa o campo dos negócios. Em um estado que ainda enfrenta desigualdades profundas e índices alarmantes de violência contra mulheres, fortalecer empresas familiares chefiadas por mulheres é também fortalecer possibilidades, estabilidade e dignidade. É criar espaços onde decisões, patrimônio e futuro não sejam temas proibidos para elas.
Ao longo do ano, fui percebendo que a governança deixou de ser apenas método. Tornou-se lente. Um modo de interpretar movimentos, riscos, relações e futuros possíveis. Essa mudança ganhou força na agenda intensa com o IBGC, que ampliou discussões, trouxe novas referências e aproximou a prática da realidade regional, especialmente aqui no Centro-Oeste.
Nos fóruns promovidos na região, vi famílias empresárias mais abertas ao diálogo franco sobre sucessão, conflitos e expectativas. O que antes parecia um tema distante se tornou uma conversa necessária, quase inadiável. A governança se mostrou como a ponte que organiza visões distintas sem romper afetos e sem ignorar a complexidade dos vínculos familiares.
A mentoria com jovens herdeiros reforçou algo que já intuía: a chamada “rebelião dos herdeiros” não destrói legados, apenas os reposiciona. Essa nova geração quer propósito, inovação e coerência, mas sem desprezar a história familiar. Cabe à governança criar o ambiente em que tradição e futuro possam caminhar lado a lado, com voz para todos e peso real nas decisões.
No universo das cooperativas, a formação de conselheiros fiscais trouxe clareza sobre maturidade organizacional. Quando esses conselhos ganham entendimento estratégico, o negócio se fortalece. A transparência aumenta, a confiança se expande e a tomada de decisão encontra mais estabilidade. Fica evidente que governança não é custo, é proteção do que realmente importa.
O agro mato-grossense também revelou mudanças importantes. Em debates setoriais, percebi o crescimento de pautas como risco climático, reputação e inovação. Esses temas deixaram de ocupar a periferia das conversas para integrarem o núcleo estratégico. A governança se transformou em eixo de competitividade e em filtro para escolhas que impactam territórios inteiros.
Foi nesse contexto que a China entrou na minha trajetória, costurando muitas dessas inquietações. Estar em Xangai, Shenzhen e Hangzhou foi como abrir uma janela para outro tempo. Portos que funcionam como organismos vivos, ecossistemas digitais que remodelam cidades, inteligência artificial aplicada a centenas de cenários e carros voadores em linha de montagem mostraram, na prática, como o futuro pode ser rotina.
Mais do que tecnologia, o que impressiona é a mentalidade. A clareza de direção. O compromisso com eficiência e sustentabilidade. A disciplina estratégica. A integração entre imaginação e método. Em cada visita, a mesma mensagem se repetia de formas diferentes: quando governança e inovação não competem, elas se impulsionam.
Voltar desse percurso ampliado me fez olhar Mato Grosso com outros olhos. Ao comparar nossa realidade com ecossistemas logísticos e produtivos profundamente estruturados, fica evidente o contraste: somos um estado de força econômica extraordinária, mas operamos com a infraestrutura de um território que ainda não despertou para sua própria escala. Estradas insuficientes, ausência de ferrovias, distância dos portos e longas rotas de escoamento. Não é a produtividade que nos limita, é a falta de coordenação e visão de longo prazo.
Essa percepção mudou a forma como avalio as discussões que atravessaram meu ano. De mentorias com novas gerações a conselhos fiscais, de debates sobre sucessão a diálogos com empresas familiares, tudo ganhou outro sentido quando colocado ao lado do que vi na China. Entendi que nossos gargalos não são apenas técnicos; são de mentalidade, de planejamento e de capacidade de imaginar o que ainda não existe.
As visitas técnicas na China reforçaram ainda que inovação não depende de espetáculo, mas de estrutura. Na Huawei, inteligência artificial e dados funcionam como um organismo de decisão. Na Tencent e na Tezign, criatividade encontra método e sistemas que protegem a identidade de marca e ampliam o alcance das estratégias. Em todos esses lugares, a governança aparece como espinha dorsal silenciosa que sustenta possibilidades.
No X27 Park e no Life Hub, compreendi outra lição importante. Inovação é, antes de tudo, coragem para reinterpretar o que existe. Um shopping abandonado vira ecossistema digital. Um centro comercial se torna espaço de convivência e experiência. Futuro é leitura de contexto, não apenas tecnologia. É a capacidade de olhar para o que parece esgotado e enxergar um novo ciclo.
Ao fazer o balanço deste ciclo, percebo que houve um ganho real de densidade. O trabalho selecionou batalhas, aprofundou relações, amadureceu processos e consolidou posicionamentos. O crescimento deixou de ser puramente quantitativo e passou a ser estrutural, alinhado a uma visão mais clara de impacto e responsabilidade sobre o papel da governança.
Entrar no quinto ano é entrar na etapa da consolidação, compreendendo com precisão o que queremos expandir, o que devemos proteger e como podemos contribuir com mais relevância. É uma fase que exige serenidade, estratégia e visão, e me sinto preparada para honrar esse momento com mais foco e mais consistência.
Se este foi o ciclo de ampliar horizontes, o próximo será o de desenhar rotas. De aproximar Mato Grosso das melhores práticas globais, integrar tecnologia sem perder sensibilidade e fortalecer empresas familiares que desejam equilibrar tradição e futuro. Porque governança, no fim, é isso: a arte de transformar complexidade em clareza, escolhas em direção e direção em legado. Feliz 2026! Avante!
Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares, Mentora de Negócios Familiares e Vice-Coordenadora Geral do Núcleo Centro-Oeste do IBGC.


