Cuiabá, 13 de Outubro de 2025

INTERNACIONAL Segunda-feira, 06 de Outubro de 2025, 09:21 - A | A

Segunda-feira, 06 de Outubro de 2025, 09h:21 - A | A

UNITAS 2025

Maior exercício naval do mundo inclui testes brasileiros em armas avançadas e cibersegurança

R7

Na 66ª edição da Operação UNITAS, encerrada nesta segunda-feira (6), a Marinha do Brasil realizou testes práticos de cibersegurança e de sistemas avançados de armas ao lado de 25 países. Cerca de 300 militares brasileiros embarcaram na Fragata Independência, acompanhados por um helicóptero Super Lynx e um destacamento de Mergulhadores de Combate. O grupo participou de exercícios que incluíram testes de comunicações e disparos reais de munição, durante as fases em porto e em mar, iniciadas na Base Naval de Mayport, nos Estados Unidos, no dia 15 de setembro.

A participação brasileira no exercício militar foca principalmente em dois aspectos estratégicos. O primeiro é a defesa cibernética e a proteção das comunicações navais. A Força Marítima do Brasil informou ao R7 que, na operação, foi possível “observar Marinhas trabalhando para tornar as comunicações entre os navios mais resilientes às interferências externas, por meio de soluções tecnológicas que, no futuro, poderão ser replicadas no Brasil com tecnologia da indústria nacional.” O segundo aspecto envolve testes com sistemas de armas e emprego de munição real em cenários que simulam guerra de superfície, guerra antissubmarino e operações anfíbias.

Para Isadora Brizola, socióloga pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em geopolítica, a inclusão de módulos de cibersegurança na UNITAS 2025 representa uma mudança estrutural na doutrina naval. Ela afirma que “a guerra cibernética está se tornando um elemento central na defesa e dissuasão marítima. Com navios, submarinos, sensores, radares e sistemas de comunicação cada vez mais integrados a redes digitais, cresce a vulnerabilidade a ataques que não utilizam força física, mas que podem comprometer operações críticas.”

Segundo Brizola, a capacidade de paralisar ou degradar sistemas adversários por meios cibernéticos abre uma nova frente de dissuasão estratégica, de baixo custo e alta eficácia, mas que enfrenta desafios técnicos, operacionais e jurídicos. “Em tempos de patrulhamento contínuo, falhas cibernéticas podem ter impacto estratégico semelhante à perda física de uma embarcação”, alerta a especialista, destacando que a guerra naval moderna depende tanto da resiliência digital quanto do poder de fogo convencional.

Além dos desafios técnicos e operacionais, Brizola destaca a complexidade jurídica da guerra cibernética em ambientes marítimos. Segundo a especialista, ataques digitais muitas vezes não deixam vestígios claros, exigindo sistemas de detecção avançada, redundância operacional e resposta rápida. Ela lembra que o Tallinn Manual 2.0, referência internacional em direito cibernético, ainda debate se um ataque digital em ambiente marítimo constitui “uso da força” conforme a Carta da ONU, criando zonas cinzentas em termos de retaliação e responsabilização.

“Embora a guerra cibernética não substitua o poder naval convencional, sua centralidade crescerá, especialmente em cenários onde navios modernos podem ser neutralizados sem um único disparo”. (Isadora Brizola)

Como foram os exercícios

Ao todo, cerca de oito mil militares participaram do exercício, que teve como palco as bases de Station Mayport na Flórida, Camp Lejeune na Carolina do Norte e Naval Station Norfolk na Virgínia. Na fase de mar participaram formações que reuniram 18 navios, dois submarinos e o porta-aviões USS Harry S. Truman, que comporta até 90 aeronaves, 3 mísseis terra-ar e 4 metralhadoras de 20 milímetros. A cerimônia de abertura ocorreu a bordo do USS Arlington e teve a presença de comandantes e delegações de todas as nações participantes.

As atividades combinaram treinamentos táticos e simulações com avaliações tecnológicas. Nos portos, delegações conduziram simpósios profissionais, troca de especialistas e planejamentos conjuntos com foco em defesa cibernética, operações de mergulho e práticas médicas.

Para Brizola, o uso de sistemas de armas avançadas em exercícios conjuntos representa um avanço significativo para a segurança regional no Atlântico Sul. Segundo a especialista, “a interoperabilidade, que se traduz em comunicações comuns, táticas coordenadas e logística integrada, não apenas facilita a resposta rápida a ameaças transnacionais como pirataria, pesca ilegal e desastres naturais, mas também eleva a capacidade operacional das forças locais, incluindo a Marinha do Brasil, com o emprego de tecnologias como drones não tripulados, guerra antissubmarino e tiro real. Esses ganhos são inestimáveis para a segurança coletiva da região e refletem um esforço conjunto que fortalece vínculos e confiança entre as forças navais participantes.”

Brizola alerta, no entanto, para os riscos da dependência tecnológica. “Muitos desses sistemas avançados são projetados, fabricados e controlados por países estrangeiros, o que impõe limitações à autonomia brasileira. A manutenção, o fornecimento de peças, o treinamento especializado e as atualizações tecnológicas ficam condicionados a licenças, regras de exportação e interesses políticos alheios, gerando um ciclo perigoso de dependência. Algumas tecnologias vêm atreladas a cláusulas de interoperabilidade que exigem o compartilhamento de dados sensíveis ou o uso de infraestrutura que pode comprometer a soberania nacional.”

No mar foram realizados o PHOTOEX, exercício em que os navios executam manobras coordenadas para treinamento de formação e comunicação entre as esquadras, e o SINKEX, simulação de combate real com uso de mísseis, torpedos e canhões contra alvos navais fora de serviço. Além dessas atividades, as forças também realizam manobras antissubmarino e antiaéreas.

Na etapa terrestre em Camp Lejeune, fuzileiros conduziram patrulhas simuladas com militares do Brasil, ArgentinaChileColômbiaGuatemala e Espanha para padronizar procedimentos de progressão, comunicações seguras e reação a emboscadas.

Quais as ameaças, segundo a Marinha

Para a Marinha do Brasil, o aprendizado prático é objetivo central. A instituição destaca que a UNITAS permite “não apenas demonstrar capacidade operativa, mas também compartilhar experiências e aprender com o que outras forças navais vêm desenvolvendo em termos de técnicas e tecnologia.”

O caráter combinado do exercício foi ressaltado pelo contra-almirante dos EUA, Carlos Sardiello, que durante a cerimônia de abertura afirmou que “a UNITAS é uma oportunidade extraordinária para nos unirmos, operarmos juntos e responder a ameaças comuns.”

Questionada sobre quem seriam as ameaças, a Marinha do Brasil afirmou que elas incluem pesca ilegal, contrabando, tráfico de pessoas e drogas, além de pirataria em alto-mar. No campo da Defesa Naval, a Força disse que os riscos abrangem vulnerabilidades nas comunicações e confrontos com oponentes em um eventual teatro de operações marítimo.

Esfera diplomática

A presença brasileira na UNITAS também tem dimensão diplomática. Durante a administração de Donald Trump, tarifas econômicas e sanções impostas pelos Estados Unidos ao Brasil colocaram em xeque a participação brasileira na edição de 2025. Sobre o episódio, a Marinha do Brasil ressaltou que, apesar das tensões comerciais, “ao longo de dois séculos, muitas foram as oportunidades de cooperação entre as duas Marinhas: desde exercícios combinados, como a UNITAS, passando por acordos de cooperação técnica a intercâmbios de militares nos mais diversos meios e organizações militares. Este foi o tom mantido durante toda a fase de planejamento e execução da Operação.”

Brizola destaca ainda que definir claramente os interesses nacionais é essencial para manter uma política de defesa coerente com prioridades como proteção da Amazônia, soberania sobre a plataforma continental e controle das rotas marítimas. “Essa clareza permite que, em acordos de cooperação ou participação em exercícios multinacionais, o país exija cláusulas que reforcem esses objetivos sem comprometer autonomia estratégica ou aceitar dependência indesejada. Transparência interna e controle democrático compõem outra estratégia: instituições civis, Parlamento e peritos devem avaliar tratados ou parcerias militares, garantindo que obrigações externas não imponham condicionamentos sobre jurisdição em zonas econômicas exclusivas ou sobre uso soberano de bases e operações navais.”

A socióloga observa também que a ausência de potências em conflito direto com os Estados Unidos, como Rússia e China, reforça a dimensão diplomática da operação. “A UNITAS, nesse contexto, assume também o papel de vitrine diplomática e militar, reafirmando quem está dentro e quem está fora da lógica ocidental de segurança coletiva. É uma forma sutil, mas eficaz, de consolidar alianças, influenciar agendas regionais e sinalizar compromisso com parceiros estratégicos, especialmente em um momento em que a guerra da informação e a pressão por posicionamentos afetam até países tradicionalmente neutros.”

Para o Brasil, participar do exercício é oportunidade e responsabilidade, avalia Brizola. “Somos a maior economia e a maior democracia da América Latina, com litoral atlântico extenso, fronteiras marítimas estratégicas e posição geográfica que, em qualquer cenário de conflito ou crise no Atlântico Sul, nos torna peça central, tanto logística quanto militarmente”, afirma.

Posição do Brasil e dos EUA

A replicabilidade das soluções avaliadas é um resultado perseguido pela Marinha, que vê na UNITAS um caminho para incorporar novas técnicas e promover transferência de tecnologia para a indústria nacional. A presença de 25 países na edição de 2025 demonstra forte cooperação multilateral, observa Marcos Perez Roja, especialista em Relações Internacionais da Universidad Nacional de Rosario.

Ele avalia que não se pode encarar o exercício apenas como uma prática de integração militar. “Em um cenário global cada vez mais fragmentado, com disputas comerciais, tensões geopolíticas e blocos de poder concorrentes, atividades como a UNITAS funcionam como ferramentas de influência estratégica. Para os Estados Unidos, que lideram a operação, o exercício vai além da interoperabilidade entre marinhas: é um meio de reafirmar presença, coordenação e projeção de poder entre aliados, mostrando que continuam com posição central na segurança marítima internacional.”

Ao final da 66ª edição, as forças navais organizaram cerimônias ao longo da costa leste dos Estados Unidos em comemoração aos 250 anos da Marinha americana. Para o Brasil, a UNITAS 2025 deixa ensinamentos que extrapolam a esfera operacional: combina tecnologia, treinamento conjunto e diplomacia, além de reforçar o papel do país como ator-chave no Atlântico Sul.

 
 

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