O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado começa nesta terça-feira, 2, com a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar o ex-mandatário ainda suscitando algumas controvérsias.
Há uma linha que defende que Bolsonaro não deveria ser julgado pelo Supremo, mas sim na 1ª instância, a exemplo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujo processo da Operação Lava Jato começou na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, sob o comando do então juiz Sergio Moro, quando o petista não exercia nenhum cargo público. Mas um novo entendimento do STF mudou a orientação
"Regra do jogo"
"Lula foi julgado por Moro porque essa era a regra do jogo vigente até então. Se fôssemos seguir essa interpretação anterior do próprio STF, os ministros da Primeira Turma não teriam competência também para julgar Bolsonaro por atos praticados durante o mandato, considerando que, neste caso, a ação penal se iniciou após o final do mandato. Ocorre que o STF mudou essa interpretação, a partir desse caso”, diz o advogado criminalista Rafael Paiva.
Crime comum x Crime político
Emilio Meyer, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que o julgamento de Lula ocorreu em primeira instância porque dizia respeito a um crime comum, não se tratava de um crime com perfil político.
Já o de Bolsonaro se justifica ser julgado pelo STF porque foi um crime político, um atentado contra o Estado Democrático de Direito, contra a existência das instituições constitucionais no Brasil.
“O julgamento de Lula era uma situação em que havia uma acusação de malversação de recursos públicos para benefício próprio, redundando na acusação de crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, o que fazia com que a competência fosse da 13ª Vara Federal de Curitiba”, pondera Meyer. "No caso do Bolsonaro, ele é acusado de um crime com relevo político, um crime contra o Estado Democrático de Direito
Novo entendimento
Embora não seja uma posição pacificada na doutrina, o argumento de Emilio Mayer acompanha o entendimento majoritário firmado pelo STF em março.
Na ocasião, ficou definido que, nos crimes praticados no exercício do cargo e em razão das funções, a prerrogativa de foro se mantém mesmo após o afastamento da autoridade, ainda que o inquérito e a ação penal sejam iniciados após o fim do exercício do cargo.
A maioria dos ministros seguiu o entendimento do ministro Gilmar Mendes, de que o envio do caso a outra instância quando o mandato se encerra gera prejuízos. Foram favoráveis a competência os ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Cristiano Zanin e Flávio Dino. André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux divergiram.
Diferença dos casos
Além da questão de crime comum e político, o presidente Lula foi julgado depois de deixar a presidência pelo ex-juiz Sergio Moro porque não tinha mais mandato capaz de atrair prerrogativa de foro e tratava-se de uma acusação relativa ao famoso triplex, que envolvia a prática de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. A condenação, que depois foi anulada, foi por esses dois crimes.
Bolsonaro, por sua vez, será julgado pelo Supremo porque, embora seja ex-presidente, há pelo menos um réu envolvido na suposta organização criminosa em que Bolsonaro seria líder, para a Procuradoria Geral da República (PGR), que atrai a competência de foro para o julgamento pelo STF.
"É um crime que envolveu diversas autoridades que exerciam funções importantíssimas durante seu governo e, hoje, pelo menos um deles está no exercício de mandato como deputado federal (Alexandre Ramagem)", explica Emilio Meyer.
A PGR pede a condenação de Bolsonaro por organização criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A soma das penas máximas chega a 43 anos, considerando a dosimetria báscia de cada crime correspondente. Já se forem consideradas as penas mínimas, a soma chega a 12 anos e seis meses.