Cuiabá, 26 de Novembro de 2025

BRASIL Quarta-feira, 26 de Novembro de 2025, 07:44 - A | A

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prisão de bolsonaro

'Herdeiros' disputam capital político de Bolsonaro após início da pena

Flávio fica sob os holofotes após a prisão do pai, enquanto Michelle corre o país à frente do PL Mulher

BBC News Brasil

Embora inelegível e condenado a 27 anos de prisão por golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda tem o trunfo de carregar um grande capital político.

Bolsonaro aparecia empatado tecnicamente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em um cenário hipotético no segundo turno na disputa pela Presidência em 2026 na mais recente pesquisa Quaest, do início de novembro, antes de ser preso preventivamente. O ex-presidente tinha 39% das intenções de voto, diante de 42% para Lula.

A pesquisa mostrava que, mesmo sem poder se candidatar, Bolsonaro era o mais competitivo dentre os nove nomes testados para disputar com Lula.

Ainda não é possível dizer, com base em pesquisas, se a prisão e o episódio envolvendo a tornozeleira eletrônica danificada por Bolsonaro, conseguiram influenciar o eleitorado fiel ao ex-presidente.

"O cenário segue muito embaralhado", afirma Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo (USP) e que estuda o eleitorado bolsonarista. "Ninguém se viabiliza como candidato competitivo sem o apoio do Bolsonaro."

Por isso, o vácuo deixado pelo ex-presidente abre uma competição entre potenciais herdeiros de seu eleitorado, disputado por governadores da direita, seus filhos e sua mulher, Michelle Bolsonaro (PL).

Bolsonaro tem pouco mais de quatro meses para se decidir sobre quem será seu herdeiro político em 2026, porque este é o tempo que falta para que governadores deixem seus cargos para disputar a Presidência.

Mas, do lado estratégico, a menos de um ano para as eleições, ele já estaria atrasado. "Ele já deveria estar trabalhando na construção de um nome", diz Ortellado.

De olho no tempo, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, convocou uma reunião a portas fechadas com a bancada de deputados e senadores da sigla nesta segunda-feira (24/11) para tratar de "alinhamento estratégico". No encontro, segundo noticiou a imprensa, estavam presentes também Michelle, e os filhos de Bolsonaro, Carlos, Flávio e Jair Renan.

A família corre para ocupar o espaço deixado pelo ex-presidente antes que outros façam isso. Nos últimos dias, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) esteve sob os holofotes, liderando a vigília pelo pai, uma das razões pelas quais ele foi preso em sala da Polícia Federal em Brasília antes mesmo do início do cumprimento de sua pena de 27 anos, determinado na terça-feira (25/11).

"Em termos de análise política estrita, eu creio que Flávio Bolsonaro, dentre os filhos do ex-presidente Bolsonaro que estão na política, é aquele que melhor navega o jogo político normal", avalia Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral. "Flávio é o filho do Jair que consegue falar com todo mundo."

Para Souza, o senador foi ganhando mais espaço à medida que seu irmão, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), perdeu lugar.

"O movimento do Flávio me parece que foi se tornando mais agudo à medida que os equívocos, em algum sentido, do Eduardo foram se tornando mais aparentes, sobretudo equívocos de política externa", diz o analista político, sócio-fundador da consultoria Dharma.

Até pouco tempo, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se posicionava como o mais ativo e vocal sucessor do pai. No início do ano, foi aos Estados Unidos afirmando que se dedicaria integralmente na atuação, junto ao governo de Donald Trump, pela anistia de seu pai.

Até agosto, Eduardo dizia que seu pai era o candidato, apesar de ele estar inelegível desde 2023. Pouco tempo depois, já se colocava como herdeiro natural do posto.

"Eu sou, na impossibilidade de Jair Bolsonaro, candidato a presidente da República. Por isso, que o sistema corre e se apressa para tentar me condenar em algum colegiado, que seja na Primeira Turma do STF, para tentar me deixar inelegível", afirmou ao portal Metrópoles em setembro.

O deputado se referia à denúncia que a Procuradoria Geral da República (PGR) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por coação no curso do processo, que acabou o tornando réu.

"Eduardo foi se tornando inviável, porque ninguém considera hoje que ele consegue descer de um avião em um aeroporto brasileiro e não ser preso", diz Souza.

Segundo a PGR, ele teria articulado para que os Estados Unidos aplicassem sanções contra o Brasil e autoridades para impedir a condenação de Bolsonaro.

O deputado nega que este foi seu objetivo, mas já assumiu a influência sobre as tarifas e outras medidas aplicadas pelo governo de Donald Trump nos últimos meses.

A atuação de Eduardo rendeu a ele críticas de aliados e apoiadores de Bolsonaro de que estaria causando um estrago nas chances da direita vencer em 2026 — particularmente, se ele for o candidato: 67% dos eleitores ouvidos pela Quaest dizem que não votariam nele. Bolsonaro foi rejeitado por 60%, e Michelle, por 61%.

Além disso, foi a mesma ação que levou Alexandre de Moraes a decretar a prisão domiciliar de Bolsonaro.

Na semana passada, a suspensão do tarifaço para diversos produtos brasileiros anunciada por Trump não só mostrou a ineficiência da atuação de Eduardo, como colocou o governo de Lula como vencedor, segundo a imprensa.

Eduardo passou então a dar sinais de que apoiaria uma eventual candidatura de Flávio.

"Flavio ou Eduardo, pouco importa", dizia um post republicado pelo deputado de autoria do influenciador Paulo Figueiredo, também denunciado por coação pela PGR pela atuação em prol das sanções americanas. Figueiredo nega a acusação.

"O que importa, para começar, é uma candidatura que realmente represente o nosso movimento e não algo escolhido pelo centrão e o STF fazendo Jair Bolsonaro de refém. Ambos atendem este requisito."

Procurado pela BBC News Brasil, Flávio Bolsonaro não retornou ao pedido de entrevista.

À direita, alguns quadros tentam ser o nome do bolsonarismo na disputa pela Presidência em 2026: Ronaldo Caiado (União), de Goiás, Ratinho Jr. (PSD), do Paraná, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais e Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo.

Para Creomar de Souza, os governadores considerados presidenciáveis seguem num discurso de defesa do ex-presidente porque o bolsonarismo virou um "guarda-sol da direita" no Brasil. Isso é, todos os movimentos de alguma forma estão abaixo dele.

Mas o professor avalia que já pode estar acontecendo um movimento na direita de conversas "à boca pequena" — ou seja, não falar publicamente sobre o desejo de ver a família Bolsonaro fora do jogo, mas internamente isso estar claro.

"Para eles (os governadores), o melhor dos mundos seria uma campanha sem Bolsonaro com os votos do Bolsonaro."

Até o momento, na ala dos governadores, Tarcísio desponta como o favorito, e as pesquisas eleitorais corroboram sua competitividade. Mas, ao menos publicamente, a família Bolsonaro não embarcou ainda na ideia. Pelo contrário.

À BBC News Brasil, Eduardo disse, em agosto, que apoiar Tarcísio estava "fora de cogitação". Na mesma linha, afirmou recentemente ao canal Market Makers no Youtube que tem "algumas diferenças políticas com o governador Tarcísio".

"Ele não está na mesma prateleira que um petista. No entanto, não está na mesma prateleira que eu no jogo político", disse o deputado.

No mesmo dia, postou um vídeo dizendo que Tarcísio era o candidato "do sistema", uma esteira de críticas ao governador paulista que se estendeu por quase este ano todo.

Nas postagens mais recentes, Eduardo endossou críticas a articulações que levassem a uma candidatura que não fosse de um Bolsonaro e cravou: "Na política funciona assim: quem tem os votos, indica o cabeça de chapa".

Para Creomar de Souza, os filhos buscam encontrar entre eles um nome para suceder Bolsonaro porque "essa é potencialmente a última eleição" do ex-presidente.

"Se o estado de saúde é tão frágil, se tem uma questão de idade avançada, se tem uma dificuldade com esforço físico, essa pode ser uma eleição definidora de legado. E daí talvez haja uma enorme resistência da família de incensar nomes que sejam de fora, inclusive o Tarcísio, porque o legado tem que ir para um dos filhos."

Mas, segundo a cientista política Camila Rocha, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), as peças do tabuleiro eleitoral estão ainda muito embaralhadas para a família do ex-presidente.

"A sucessão de Bolsonaro está bem complicada. Os filhos são muito mal avaliados pelo próprio eleitorado do Bolsonaro, baseado em pesquisas que temos feito desde o início do governo do ex-presidente", diz Rocha.

Ela afirma que, nas palavras dos eleitores de Bolsonaro, seus filhos são "imaturos", "irresponsáveis" e "envolvidos com corrupção".

"Óbvio que eles têm votos suficientes para serem parlamentares, mas, em uma eleição presidencial, isso muda. Eles têm uma rejeição bastante grande do próprio eleitorado do Bolsonaro."

Ainda assim, ela analisa ser muito pouco provável que ninguém do clã Bolsonaro esteja em uma chapa apoiada por ele.

"Bolsonaro indicaria alguém de fora, mas é provável que ao menos o vice seja ocupado por alguém da família", diz Rocha.

Em setembro, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), falou, pela primeira vez, sobre a possibilidade de ser candidata. Mas não deixou claro a qual cargo disputaria.

"Vou me levantar como uma leoa para defender nossos valores conservadores, verdade e justiça. Se, para cumprir a vontade de Deus, for necessário assumir uma candidatura política, estarei pronta para fazer o que ele me pedir", declarou, ao jornal britânico The Telegraph.

Michelle tem rodado o país à frente do PL Mulher, núcleo da sigla voltado a incentivar candidaturas femininas e discutir políticas para mulheres.

"O impacto da Michelle no crescimento de filiações ao PL Mulher é algo que eu não me lembro na Nova República", diz Creomar de Souza.

"Eu nunca vi uma liderança feminina ter um impacto tão prevalecente em um grupo político eleitoral, ainda mais à direita, como a Michelle tem."

O analista acredita que a ex-primeira-dama é um "fenômeno popular e eleitoral".

"Ela é um fenômeno popular do ponto de vista carismático. Eleitoral, eu não posso dizer com convicção ainda, porque ela não passou por uma eleição. Mas, para uma parte importantíssima desse eleitorado bolsonarista, a Michelle representa o Bolsonaro", diz Souza.

"O ponto é saber a medida que ela deseja se colocar como um eventual nome da família e se haverá consenso na família para que ela seja esse nome. O que a gente tem visto nos movimentos dos filhos, sobretudo o Eduardo e o Flávio, é que não", prossegue.

"Se a Michelle não sair candidata a vice ou à Presidência, ela deve possivelmente ser candidata ao Senado pelo Distrito Federal e, possivelmente, será eleita."

Camila Rocha pondera, no entanto, que embora Michelle tenha um apelo maior do que os filhos de Bolsonaro, ela enfrenta outros obstáculos.

"Michelle tem menos rejeição por parte do próprio eleitorado do Bolsonaro. Mas sua rejeição é baseada em machismo, as pessoas entendem que ela não teria voz própria, que ela seria mais fraca e não teria experiência pregressa."

Já entre o eleitorado geral, diz a cientista política, a rejeição estaria ligada à defesa que Michelle, evangélica, faz de um Estado que defenda os valores e princípios cristãos em detrimento de um Estado laico.

Michelle Bolsonaro foi procurada, mas não respondeu às perguntas enviadas pela BBC News Brasil, devido ao prazo curto, segundo sua assessoria.

Carlos se lança ao Senado por SC
Creomar de Souza avalia que Carlos Bolsonaro (PL) não está no páreo ainda para ser o sucessor do pai no cenário político brasileiro.

"O Carlos é o grande arquiteto operador da comunicação bolsonarista. Mas, de fato, ele não é o perfil, até aqui. A gente vai ter que esperar para ver se ele vai ser eleito ao Senado e se projetar, fazendo grandes articulações políticas em nome da família", diz Souza.

O analista faz referência aos planos revelado por Carlos no início do mês, de galgar degraus na política após ocupar o cargo de vereador no Rio de Janeiro por 24 anos ao se lançar candidato a senador por Santa Catarina.

No mesmo Estado, outro filho de Bolsonaro, Jair Renan (PL), dá seus primeiros passos na política como vereador de Balneário Camboriú.

"Jair Renan provavelmente vai sair candidato a deputado estadual ou a deputado federal, porque isso é parte dessa dinâmica do bolsonarismo", diz Souza.

Santa Catarina é um reduto bolsonarista, onde 62% da população votou pela recondução de Bolsonaro no segundo turno de 2022. Mas o anúncio da candidatura de Carlos causou uma cisão no PL.

Ocorre que a deputada federal Caroline de Toni (PL) já havia sido indicada pelo governador Jorginho Mello (PL) para disputar o Senado.

Como neste ano são abertas duas vagas de senador por Estado, a situação em Santa Catarina poderia estar resolvida para o PL, tendo Carlos e Caroline como os candidatos. Mas foi o contrário. Com Carlos na jogada, tudo se embolou.

A BBC News apurou que havia um acordo entre Jorginho Mello e Bolsonaro para que cada um indicasse um nome ao Senado. O governador indicou Caroline de Toni, a deputada mais votada em 2018 entre os catarinenses.

Ela é muito próxima dos Bolsonaro. Foi ela que abriu mão da liderança da minoria da Câmara para que Eduardo assumisse seu lugar para cumprir seu mandato dos Estados Unidos, o que não foi aceito pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Para lançar sua pré-candidatura, Caroline de Toni contou com a anuência de Carlos, Eduardo e Michelle. Isso teria sido um indicativo de que seu nome era também a preferência de Bolsonaro, o que deixaria a segunda indicação a cargo do governador.

Outro acordo, entre Jorginho e o Progressistas para composição de aliança, mirando também em tempo de TV, pressupunha que uma das vagas ao Senado seria para a reeleição do senador Esperidião Amin (PP).

A BBC News Brasil tentou falar com o governador, por meio de sua assessoria de imprensa, mas não recebeu resposta. A deputada Caroline de Toni está afastada, de licença-maternidade.

"A Carol é querida pela Michelle e por todos nós, mas o Esperidião Amin também quer a vaga e o Bolsonaro já bateu o martelo que o Carlos vem por Santa Catarina", disse Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, ao jornal O Globo.

"Até daria para termos ela e Carlos concorrendo simultaneamente, mas o Esperidião nunca faltou para nós, ele é da direita. Estamos vendo o que fazemos, cogitamos pedir para que o Jorginho Mello a coloque de vice."

Luís Felipe G. da Graça, cientista político da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que essa aliança é parte de uma estratégia do governador para ter uma reeleição "tranquila".

"Ele foi muito bem votado no segundo turno de 2018, com 70% dos votos, e a principal razão é que ele foi para o segundo turno contra o PT", diz Graça.

"Minha impressão é que ele está tentando montar uma chapa de modo que a disputa natural seja com o PT novamente. Por isso, ele deixaria o PP ocupar uma das vagas ao Senado. Nessa disputa, se não tivesse o Carlos Bolsonaro, a chapa seria Caroline de Toni e Amin."

Porém, com Carlos na disputa, o movimento, afirma Graça, tem sido "limar" Caroline de Toni, que já recebeu propostas de outros partidos. A mais avaliada tem sido a do partido Novo, segundo fonte próxima à deputada.

Nessa esteira, Michelle Bolsonaro, que é desafeto público de Carlos, postou recentemente em suas redes sociais uma foto dela com Caroline dizendo: "Estou fechada com a Carol de Toni, independentemente da sigla partidária".

 

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