Durante a COP30, conferência do clima das Nações Unidas sediada em Belém (PA), em 2025, o governo brasileiro lançou o livro Ciência para o clima e soluções da agricultura brasileira, uma síntese das principais contribuições da ciência nacional para enfrentar a crise climática. Organizada pela Embrapa, a publicação reúne décadas de pesquisa sobre tecnologias, métricas e estratégias que mostram como a agricultura tropical pode reduzir emissões e sequestrar carbono, mantendo alta produtividade.
O balanço de carbono — que calcula a diferença entre o carbono emitido e o capturado nos sistemas produtivos — tornou-se um dos principais indicadores da sustentabilidade agropecuária. Segundo a pesquisadora Beata Madari, da Embrapa Arroz e Feijão, mensurar o carbono com precisão é essencial para orientar políticas públicas e certificar cadeias produtivas de baixo impacto. “A avaliação de ciclo de vida e o balanço de carbono permitem comprovar que a agricultura tropical pode ser produtiva e, ao mesmo tempo, contribuir para mitigar as mudanças climáticas”, explica.
A agropecuária brasileira já é uma das que mais aplicam práticas conservacionistas no mundo. O Plano ABC+ (2020–2030), principal política nacional de mitigação de gases de efeito estufa (GEE) no setor, prevê a ampliação do uso de tecnologias sustentáveis em 72 milhões de hectares, evitando a emissão de mais de 1 bilhão de toneladas de CO₂ equivalente até 2030. Entre as ações estão a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), a recuperação de pastagens degradadas, o plantio direto, o uso racional de bioinsumos e irrigação e a fixação biológica de nitrogênio, práticas que aumentam o sequestro de carbono no solo e a eficiência produtiva.
Nos sistemas agrícolas, as plantas capturam CO₂ pela fotossíntese, e parte desse carbono é armazenada no solo na forma de matéria orgânica — que pode conter até 58% de carbono. Boas práticas de manejo aumentam esse estoque, melhoram a fertilidade e reduzem o uso de insumos sintéticos. Já o desmatamento e o mau uso do solo liberam carbono e agravam o efeito estufa. Para medir e comparar os fluxos de gases, a Embrapa adota parâmetros do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que expressa os resultados em CO₂ equivalente. O metano (CH₄), por exemplo, tem potencial de aquecimento 27 vezes maior que o dióxido de carbono, e o óxido nitroso (N₂O), 273 vezes mais potente.
A precisão das medições também depende da qualidade dos laboratórios, explica Celso Manzatto, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.
A Embrapa coordena o Programa de Análise de Qualidade de Laboratórios de Fertilidade do Solo (PAQLF), que avalia 176 unidades em todo o país, e o Ensaio de Proficiência em Análise de Carbono do Solo (EPCS), primeiro programa interlaboratorial do mundo voltado à harmonização de resultados de carbono. O EPCS compara métodos de análise e garante a confiabilidade dos dados usados em inventários e mercados de carbono.
Essas iniciativas já geraram resultados expressivos: o primeiro Plano ABC (2010–2020) evitou a emissão de 194 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, com práticas sustentáveis adotadas em 54 milhões de hectares. A combinação entre ciência, política pública e inovação tecnológica consolidou o Brasil como referência internacional em agricultura de baixa emissão.
A recuperação de pastagens e a integração entre lavoura, pecuária e floresta estão entre os pilares dessa transformação. Hoje, 197 milhões de cabeças de gado ocupam 161 milhões de hectares, 11% a menos do que há 20 anos, enquanto a produtividade quase dobrou. Pastagens bem manejadas sequestram carbono, reduzem o desmatamento e melhoram o bem-estar animal. Sistemas com leguminosas ainda diminuem as emissões de metano entérico e aumentam a fertilidade do solo.
Outros avanços vêm de tecnologias agrícolas de baixo carbono, como fertilizantes de ureia tratada com inibidores, que reduzem em até 50% as emissões de N₂O; bioinsumos microbianos, que substituem fertilizantes sintéticos e evitam cerca de 300 kg de CO₂eq por hectare ao ano; e o biochar, carvão vegetal obtido de resíduos agrícolas que melhora a fertilidade do solo e armazena carbono por séculos.
A redução do metano na pecuária é outro foco das pesquisas. A Embrapa e universidades brasileiras estudam estratégias nutricionais que reduzem as emissões entéricas em até 48%, por meio de dietas com óleos vegetais, leguminosas, algas, compostos vegetais e inibidores químicos da metanogênese, como o 3-nitrooxipropanol (3-NOP). Essas soluções permitem reduzir as emissões sem comprometer a produtividade.
Para garantir transparência, o país desenvolve ferramentas digitais de mensuração, relato e verificação (MRV), alinhadas às diretrizes da ONU. O sistema inclui o Sacir, que caracteriza imóveis rurais e pastagens; o AgroTag MRV, que coleta dados georreferenciados; o SatVeg, que monitora cobertura vegetal por satélite; e a calculadora GHG Protocol para Agricultura e Pecuária, usada para estimar emissões diretas e indiretas das atividades agropecuárias.
Esses instrumentos fortalecem a rastreabilidade ambiental e viabilizam a inserção de produtores em mercados de créditos de carbono, além de subsidiar o Inventário Nacional de Emissões de GEE. “Quando o produtor adota práticas conservacionistas, ele melhora a produtividade e também ajuda o país a atingir metas de neutralidade climática”, resume Madari.
Com sistemas cada vez mais monitorados e eficientes, a agricultura brasileira transforma o balanço de carbono em um instrumento de planejamento estratégico. O país mostra que é possível produzir, conservar e mitigar — ao mesmo tempo. A ciência tropical e as políticas de inovação sustentam um modelo de agropecuária de baixo carbono, que alia segurança alimentar, competitividade e compromisso com o clima global.
O trabalho é de Beata Madari, Embrapa Arroz e Feijão, Anderson Santi, Embrapa Trigo, Celso Manzatto, Embrapa Meio Ambiente, Claudia Jantalia, Embrapa Solos, Etelvino Novotny, Embrapa Solos, Ladislau Skorupa, Embrapa Meio Ambiente, Márcia Carvalho, Embrapa Arroz e Feijão, Patrícia Oliveira, Embrapa Pesca e Aquicultura, Vinicius Benites, Embrapa Solos e Walkyria Scivittaro, Embrapa Clima Temperado.


