A Rússia vive uma onda de mortes misteriosas envolvendo empresários e autoridades de alto escalão. Desde o início da guerra contra a Ucrânia, em 2022, 40 figuras da elite russa morreram, cinco delas apenas neste ano, segundo o governo ucraniano.
O caso mais recente foi o de Alexander Tyunin, presidente da Umatex, subsidiária da estatal russa de energia nuclear Rosatom. Ele foi encontrado morto no dia 18 de setembro, perto de seu carro, com um rifle de caça e um bilhete que mencionava depressão.
Dias antes, Alexander Fedotov, ex-funcionário do setor de transportes de São Petersburgo, foi achado morto após cair da janela de um hotel próximo ao Aeroporto Sheremetyevo, em Moscou.
Desde 2022, uma série de oligarcas, executivos e figuras públicas morreram em circunstâncias semelhantes – quedas de janelas, envenenamentos, infartos e supostos suicídios. O fenômeno passou a ser chamado por analistas de “síndrome da morte súbita russa”.
Mortes em setores estratégicos
Segundo o United24 Media, site de notícias vinculado à Ucrânia, as mortes ocorrem principalmente em três áreas consideradas vitais para o regime de Vladimir Putin: energia, finanças e comércio exterior.
Esses setores são também os mais afetados pelas sanções impostas pela UE (União Europeia) e pelos ataques ucranianos, que danificaram até 40% da capacidade de refino de petróleo do país até agora.
Um dos casos mais emblemáticos foi o de Mikhail Rogachev, ex-vice-presidente da petrolífera Yukos, que caiu da janela de casa em outubro de 2024. Rogachev era ligado a Mikhail Khodorkovsky, crítico de Putin, preso por anos após desafiar o Kremlin.
Além dele, dezenas de executivos de companhias ligadas ao petróleo e à energia morreram de forma semelhante. Entre eles:
- Leonid Shulman e Alexander Tyulyakov, da Gazprom, encontrados mortos em 2022;
- Vladislav Avaev, do Gazprombank, e Sergey Protosenya, da Novatek, mortos junto com familiares;
- Ravil Maganov, presidente da Lukoil, que caiu da janela de um hospital em Moscou;
- Vitaly Robertus, vice-presidente da Lukoil, achado morto em 2024; e
- Andrey Badalov, vice da Transneft, que caiu do apartamento em 2025.
O especialista anticorrupção Ilya Shumanov disse ao site ucraniano que “a semelhança entre os casos é impressionante” e que alguns podem ter sido “assassinatos encenados como suicídios”.
Elite política atingida
Casos semelhantes atingiram figuras do governo. Em julho de 2025, o ex-ministro dos Transportes Roman Starovoit foi encontrado morto em um estacionamento nos arredores de Moscou, horas após ser demitido por Putin. O sucessor dele foi preso por fraude, segundo a emissora pública polonesa TVP.
Em fevereiro do mesmo ano, dois altos funcionários morreram no mesmo dia após caírem de janelas: Artur Pryakhin, do Serviço Federal Antimonopólio, e Alexei Zubkov, do Comitê Investigativo.
Outro caso de grande repercussão foi o de Pavel Antov, deputado do partido Rússia Unida, morto em um hotel na Índia em 2022. Ele havia sido apontado pela imprensa russa como autor de mensagens críticas aos ataques do Kremlin na Ucrânia.
Envenenamentos e perseguições
A Rússia também tem um longo histórico de ataques a críticos do regime. O agente químico Novichok foi usado contra o ex-espião Sergei Skripal em 2018 e contra o opositor Alexei Navalny em 2020.
O ex-agente Alexander Litvinenko morreu envenenado com polônio em 2006. No mesmo ano, a jornalista Anna Politkovskaya foi assassinada em Moscou após sobreviver a uma tentativa de envenenamento.
Em 2010, Putin declarou que os serviços secretos russos não praticavam mais o chamado mokroye delo - expressão soviética para “trabalho sujo”, usada para designar assassinatos de traidores. “Os serviços especiais russos não fazem isso. Quanto aos traidores, eles morrerão sozinhos”, afirmou na época.
Para analistas, a declaração tem a ver com o padrão atual de mortes. “São suicídios? Talvez. Convenientes? Com certeza. Padronizados? Pode apostar”, disse Julianne Geiger, pesquisadora do site britânico Oilprice, especializado no setor de energia.
Sistema em colapso
A série de mortes ocorre em meio à pior crise econômica russa em décadas. Sanções ocidentais, restrições comerciais e o aumento dos gastos militares reduziram o fundo soberano do país e provocaram perdas bilionárias à elite.
A tensão interna também aumentou. Segundo Alexandra Prokopenko, do think tank norte-americano Carnegie Endowment, “a saída voluntária do sistema pode ser considerada traição - e, como Putin deixou claro, traidores não vivem muito”.
Especialistas afirmam que as mortes são sinal do colapso de um sistema baseado em lealdade e medo. “Na Rússia de Putin, deixar o poder vivo está se tornando a exceção, não a regra”, disse ao United24 Media o russo Mikhail Khodorkovsky, ex-dono da Yukos e ex-prisioneiro político.