Após uma campanha marcada por ameaças do presidente dos EUA, Donald Trump, o Partido Liberal venceu as eleições legislativas no Canadá, realizadas na segunda-feira, com um resultado que mantém o primeiro-ministro, Mark Carney, no poder. Líder da sigla que cresceu em popularidade em meio ao embate com o presidente americano, Carney pediu nesta terça-feira que a população não esqueça a "traição" do país vizinho.
— Como venho alertando há meses, os EUA querem nossa terra, nossos recursos, nossa água. O presidente Trump está tentando nos destruir para nos possuir. Isso nunca vai acontecer — disse Carney em um discurso a milhares de eleitores em Ottawa, nesta terça, dizendo em outro trecho: — Já superamos o choque da traição americana, mas nunca devemos esquecer as lições.
A agência eleitoral canadense não encerrou oficialmente a contagem de votos, mas após uma noite de apuração, o canal público CBC e a CTV News projetaram que os liberais formarão o próximo governo canadense. O líder conservador, Pierre Poilievre, também reconheceu a derrota. Resta saber se os liberais vão conseguir a maioria das cadeiras na Câmara dos Comuns ou se irá liderar um governo minoritário, que exigiria o apoio de outros partidos para aprovar leis — os liberais conquistaram a maioria absoluta em 2015, mas governaram em minoria a partir de 2019.
Em termos de política interna, o resultado eleitoral representa uma reviravolta na tendência que se desenhava nos últimos meses, com o Partido Conservador liderando com folga nas pesquisas até março, quando as tarifas de Trump sobre produtos canadenses entraram em vigor e Carney substituiu Justin Trudeau como primeiro-ministro e líder dos liberais.
Em 6 de janeiro, quando Trudeau anunciou sua renúncia, os liberais estavam mais de 20 pontos atrás dos conservadores na maioria das pesquisas, e Poilievre parecia o provável futuro premier. Tudo mudou quando Trump iniciou sua guerra comercial, e falou repetidamente em integrar o Canadá aos Estados Unidos como 51º Estado.
"Escolham o homem que tem força e sabedoria para cortar seus impostos pela metade e aumentar seu poder militar", escreveu Trump na Truth Social. "Zero tarifas ou impostos se o Canadá se tornar o 51º estado dos Estados Unidos".
Carney, economista e formulador de políticas experiente que se autodenominou o candidato anti-Trump e concentrou sua campanha em lidar com os EUA, acabou se beneficiando das ações do presidente americano. Com um tom comedido, sério e desafiador às investidas agressivas de Trump, ele transmitiu uma posição mais pragmática e centrista, após uma década de agenda progressista de Trudeau.
"Este é o Canadá e nós decidimos o que acontece aqui", disse em uma publicação no X, em resposta a Trump, no dia da eleição.
Durante a campanha, Poilievre tentou se apoiar na pauta doméstica, principalmente o custo de vida elevado nos anos Trudeau. Porém, o alinhamento a pautas conservadoras defendidas pelo presidente dos EUA parece ter pesado negativamente — ele se manifestou contra a "ideologia do movimento woke radical", prometeu cortar o financiamento da emissora nacional canadense e afirmou que cortaria a ajuda externa. Após a derrota, ele disse que apoiaria iniciativas em prol do país.
— Sempre colocaremos o Canadá em primeiro lugar — declarou Poilievre a eleitores em Ottawa. — Os conservadores trabalharão com o primeiro-ministro e todos os partidos pelo objetivo comum de defender os interesses do Canadá e alcançar um novo acordo comercial que deixe as tarifas para trás.
É a segunda grande eleição internacional desde que Trump assumiu o poder, depois da Alemanha, e a forma como o Canadá lidou com a ruptura no relacionamento com os EUA está sendo acompanhada de perto em todo o mundo. Vários líderes internacionais mostraram disposição a unir forças com Carney.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, afirmou que está ansioso para "fortalecer" as relações entre os dois países, "aliados, parceiros e amigos mais próximos". A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também disse que deseja trabalhar com Ottawa para "promover o multilateralismo e defender o comércio livre e justo". Até mesmo a China, que manteve relações tensas com o Canadá nos últimos anos, expressou a vontade de "desenvolver as relações China-Canadá com base no respeito mútuo, igualdade e benefício mútuo".
O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, também celebrou a vitória de Mark Carney. Ele afirmou desejar que "novas oportunidades" se abram entre os dois países, que enfrentaram uma grave crise diplomática em novembro, depois que o Canadá acusou o ministro indiano do Interior de perseguir opositores sikhs em território canadense. (Com NYT e AFP)