Cuiabá, 01 de Junho de 2025

INTERNACIONAL Quarta-feira, 28 de Maio de 2025, 14:38 - A | A

Quarta-feira, 28 de Maio de 2025, 14h:38 - A | A

guerra com o hamas

Alemanha rompe tradição ao criticar abertamente Israel em meio a nova ofensiva em Gaza

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, Berlim mantém um apoio firme ao Estado judeu, com questões sensíveis tratadas em particular — algo quebrado por declarações do chanceler Friedrich Merz e aliados

O Globo com agências internacionais

A crítica poderia parecer trivial à primeira vista. Em meio à ampliação da ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza nas últimas semanas, muitos foram os líderes internacionais que condenaram a volta dos ataques e o bloqueio à entrada de ajuda no enclave palestino. A diferença, neste caso, foi o emissor da mensagem.

Com o apoio a Israel considerado uma questão de segurança nacional e parte de uma dívida histórica pelo Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha mantém uma abordagem que implica apoio aberto e críticas silenciosas ao Estado judeu. Por esse motivo, a declaração pública do chanceler Friedrich Merz durante uma viagem oficial à Finlândia soou como um alerta em Jerusalém.

— Os ataques militares massivos dos israelenses na Faixa de Gaza não me revelam mais nenhuma lógica. Como eles servem ao objetivo de combater o terror... Nesse sentido, encaro isso de forma muito, muito crítica — afirmou Merz na terça-feira. — Eu não estou entre os primeiros a dizer isso, mas me parece que chegou a hora de falar publicamente: o que está acontecendo atualmente não é mais compreensível.

A mudança de tom do chanceler posiciona a principal liderança da União Europeia dentro do grupo de países críticos à abordagem do governo israelense ao enclave palestino — sobretudo após o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu insistir recentemente que a paz só seria possível com a eliminação do grupo terrorista Hamas como um todo (o que analistas militares julgam quase impossível) e ter falado abertamente que tomará o controle de 100% do enclave antes do fim da guerra.

Autoridades alemãs e europeias acompanharam Merz em críticas abertas na terça-feira. O ministro das Relações Exteriores alemão, Johann Wadephul, afirmou em uma entrevista à emissora WDR na terça-feira que o bloqueio a insumos básicos praticado em Gaza era inaceitável.

 — Nosso compromisso em lutar contra o antissemitismo e nosso total apoio ao direito de existir e à segurança do Estado de Israel não devem ser instrumentalizados para o conflito e a guerra atualmente travados na Faixa de Gaza — disse Wadephul. — Estamos agora em um ponto em que temos que pensar muito cuidadosamente sobre quais medidas tomar.

O diplomata não detalhou a que tipo de "medidas" se referia. Na viagem à Finlândia, Merz defendeu o aumento da pressão contra Israel para permitir que a ajuda humanitária chegue verdadeiramente ao seu destino.

— Nós precisamos pressionar Israel para garantir que a ajuda realmente chegue ao seu destino — disse o chanceler, em uma entrevista coletiva ao lado do premier finlandês, Petteri Orpo. — O que vimos na Faixa de Gaza não é de forma alguma aceitável.

Horas mais tarde, uma tentativa de distribuir alimentos por meio da nova estrutura apoiada por EUA e Israel, a Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), ficou marcada por cenas caóticas envolvendo palestinos desesperados para chegar aos insumos invadindo a zona segura estabelecida pelo Exército de Israel, e militares fazendo disparos. Segundo as forças israelenses, os tiros foram apenas de advertência, mas autoridades palestinas e da ONU afirmam que houve ao menos 48 feridos. Há relato de um morto.

 Mudança de sinal
O tom áspero usado por Merz parece ter ressoado para outras partes da Europa. Na terça-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (também alemã), classificou como "abominável" um ataque lançado pelos israelenses contra a Faixa de Gaza no dia anterior, que matou cerca de 30 pessoas em uma escola sendo usada como abrigo para deslocados.

— A expansão das operações militares de Israel em Gaza visando infraestrutura civil, entre elas uma escola que serviu de abrigo para famílias palestinas deslocadas, matando civis, incluindo crianças, é abominável — disse em uma ligação com o Rei Abdullah II da Jordânia.

 Um diplomata da UE chamou a linguagem usada pela presidente do Executivo da UE de "forte e inédita". O motivo, segundo uma autoridade da UE ouvida pela AFP, foi a "mudança de sinal" feita por Merz a partir de Berlim.

— Houve uma mudança muito notável nas últimas semanas — disse Julien Barnes-Dacey, chefe do programa para o Oriente Médio do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), em um podcast do centro de estudos, argumentando que isso reflete uma "mudança radical na opinião pública europeia".

Alerta ligado
Uma posição mais crítica do governo alemão, sobretudo se resolver adotar medidas contra Israel, pode ter um impacto pesado. Berlim é o principal fornecedor de armas para Israel na Europa — e o segundo mundialmente, atrás apenas dos EUA, e é a maior economia da UE, que atualmente é o maior parceiro comercial de Israel — com 42,6 bilhões de euros (R$ 274,1 no câmbio atual) negociados em bens em 2024.

Até o momento, o país foi um porto seguro para os israelenses dentro do bloco europeu. Os alemães se opuseram a um plano proposto na semana passada para avaliar se Israel está cumprindo os princípios de direitos humanos estabelecidos em seu acordo de associação com a UE. A medida foi apoiada por 17 dos 27 países-membro. Para suspender o acordo comercial, seria preciso ter uma unanimidade.

Algumas medidas seriam possíveis com um quórum, incluindo restrições parciais ao acordo. Não está claro se a Alemanha se juntaria a alguma iniciativa nesse sentido — que países como Bélgica e Espanha tentam tomar a frente — mas a mensagem das autoridades pesa como um possibilidade no cálculo político.

— Defendemos o Estado de Direito em todos os lugares e também o Direito Internacional Humanitário — disse Wadephul na terça. — Onde constatarmos que ele está sendo violado, é claro que interviremos e certamente não forneceremos armas que permitam novas violações.

Em uma entrevista também na terça-feira à emissora alemã ZDF, o embaixador de Israel em Berlim disse acompanhar com atenção as declarações:

— Quando Friedrich Merz faz críticas sobre Israel, nós ouvimos muito atentamente porque ele é um amigo.

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