Cuiabá, 02 de Agosto de 2025

ECONOMIA Sexta-feira, 25 de Julho de 2025, 07:52 - A | A

Sexta-feira, 25 de Julho de 2025, 07h:52 - A | A

minerais estratégicos

Por que as terras-raras do Brasil interessam aos EUA? Especialistas explicam

EUA querem incluir minerais estratégicos em acordo com Brasil. Lula diz: ‘ninguém põe a mão’

O Globo

As conversas entre governos e empresas em torno das tarifas anunciadas por Donald Trump sobre produtos brasileiros ganharam novos contornos a uma semana da taxa entrar em vigor. Os Estados Unidos estão interessados em realizar acordos com o Brasil em torno dos chamados minerais críticos e estratégicos, como lítio, nióbio e terras-raras, como antecipou o site do GLOBO.

 Essa mensagem foi transmitida a representantes do setor de mineração, em reunião na quarta-feira, pelo encarregado de negócios da Embaixada americana em Brasília, Gabriel Escobar. Ele é o principal nome dos EUA no país diante da falta de indicação de um embaixador.

Conforme relatou ao GLOBO o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, Escobar ouviu como resposta que qualquer negociação nesse sentido deve ser decidida pelo governo brasileiro, e não pelos empresários do setor.

— Foi demonstrado o interesse dos Estados Unidos nos chamados minerais críticos e estratégicos, mas deixamos claro que cabe ao governo decidir — disse Jungmann.

Relato a Alckmin
A situação foi levada em seguida por Jungmann ao vice-presidente Geraldo Alckmin. O vice do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no comando das negociações com os EUA.

Interlocutores do governo brasileiro lembram que as empresas têm concessão da União para explorar e vender esses produtos. Isso é feito geralmente por meio de processos públicos e não há restrição a nenhum país.

Negociadores brasileiros afirmam ainda que os EUA jamais deram sinais de que gostariam de incluir o acesso a minerais críticos em uma negociação em torno da política tarifária americana para o Brasil.

Até agora, Trump tem deixado claro que um acordo deveria incluir o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Judiciário brasileiro e o tratamento a big techs no país. Mas não é uma surpresa o interesse da Casa Branca pelo setor.

 Procurada, a embaixada dos EUA informou que o encarregado de negócios participou de um encontro com representantes do Ibram e que não divulga conteúdo de reuniões privadas.

 Jungmann explicou que a legislação brasileira não prevê compra, nem venda de minerais estratégicos de governo a governo. Entretanto, é possível a participação de empresas americanas no país por meio de parcerias (joint ventures).

— Isso é aberto para todos, australianos, canadenses, chineses, peruanos, até o Afeganistão pode ter participação na exploração mineral brasileira. Nossa percepção é que os EUA gostariam de discutir esse tema — disse.

Em discurso na quinta-feira em Minas Gerais, Lula disse que que “ninguém põe a mão” nos minerais do Brasil.

— Eu queria dizer para o presidente (Donald) Trump: a nossa soberania é feita por esse povo brasileiro que trabalha, que produz — disse.

Ele citou o tamanho do território brasileiro, as fronteiras marítima e terrestre, a floresta e a água doce.

— Nós temos 12% da água doce do mundo para proteger. Nós temos 215 milhões de pessoas para proteger. Nós temos todo o nosso petróleo para proteger. Nós temos todo o nosso ouro para proteger. Nós temos todos os minerais ricos que vocês querem para proteger. E aqui ninguém põe a mão. Este país é do povo brasileiro — afirmou o presidente.

Indagado sobre o interesse dos EUA, Alckmin afirmou que a pauta de mineração “é muito longa e pode ser explorada e avançada”. Ele evitou, porém, comentar possíveis negociações desse tema.

— O setor minerário é um que nós recebemos (em reuniões). Aliás, é outro setor que exporta para os Estados Unidos apenas 3%, mas importa em máquinas e equipamentos mais de 20%, o que mostra, de novo, enorme superávit na balança comercial (para os EUA) — disse.

A reunião com o Ibram foi pedida pelo próprio Escobar. Os dirigentes da instituição comentaram que está sendo montada uma comitiva de empresários que viajará aos Estados Unidos, para convencer os importadores americanos a pressionarem Washington por uma negociação com o Brasil.

A missão empresarial, que incluirá vários setores, deve embarcar para o país, provavelmente, em setembro ou outubro, tento em vista que agosto é mês de férias no Hemisfério Norte.

Os minerais críticos e estratégicos são recursos importantes para o desenvolvimento econômico e tecnológico. O nióbio, por exemplo, é considerado essencial para a indústria siderúrgica, viabilizando ligas leves e resistentes de aços avançados, materiais magnéticos e supercondutores. Dos 51 tipos de minerais que interessam os EUA, o Brasil tem reservas relevantes de cobre, lítio, silício e terras-raras.

“Nós temos todos os minerais ricos que vocês querem para proteger. E aqui ninguém põe a mão” , Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República

Para o presidente americano, a oferta desses produtos se tornou uma questão geopolítica. Logo que assumiu a Casa Branca, em janeiro deste ano, ele adotou uma estratégia agressiva em relação ao tema: chegou a ameaçar tomar a Groenlândia da Dinamarca e passou a pressionar a Ucrânia, em guerra contra a Rússia, a ceder direitos de exploração.

 O acordo acabou fechado em abril, prevendo que os EUA tenham preferência na exploração de terras-raras ucranianas por dez anos. Trump ainda tenta chegar a um entendimento com a China sobre o tema.

O Brasil concentra a segunda maior reserva do mundo de terras-raras, atrás apenas da China, em meio à valorização dessas matérias-primas.

Professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) e coordenador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), Rubens Duarte afirma que a exploração desses recursos naturais pode entrar na mesa de negociação, inclusive como moeda de troca para outras vantagens:

— Cabe ao governo brasileiro, portanto, verificar quais acordos serão mais vantajosos para o país, levando em consideração as consequências políticas e econômicas, que estão acentuadas devido à disputa geopolítica entre China e EUA.

 Participação brasileira
Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG), ressaltou que a questão dos minérios é tema-chave da postura americana. Um exemplo foi a negociação com a Ucrânia, que teria que compensar o apoio de Washington fornecendo esses minerais.

— Não é o caso do Brasil, que não deve aceitar um acordo sobre minerais desfavorável aos seus interesses nacionais. É preciso ter em alta conta que, na realidade do mundo atual, a gestão dos minerais críticos e estratégicos é um fator de segurança nacional — disse ele.

Dados recentes do Serviço Geológico do Brasil indicam que o país conta com 23% das reservas de terras-raras. No caso do lítio, a fatia do país é de 8%. Além disso, o Brasil lidera em larga escala nas reservas de nióbio, com 93,1% do total mundial.

Esses materiais são usados em baterias de carros eletrificados (lítio), produtos tecnológicos e vinculados à transição energética. Para especialistas, os minerais críticos vão exercer papel similar na geopolítica global ao do petróleo no século XX.

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