Cuiabá, 12 de Setembro de 2025

BRASIL Terça-feira, 09 de Setembro de 2025, 14:10 - A | A

Terça-feira, 09 de Setembro de 2025, 14h:10 - A | A

Trama golpista

Moraes vota para condenar Bolsonaro e os outros 7 réus

Relator leu seu voto por cinco horas nesta terça-feira, 9; Dino é o próximo a votar

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso da trama golpista na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros sete réus. Em seu voto, Moraes afirmou que todos os acusados agiram em conjunto e cometeram cinco crimes: liderança de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União, e deterioração de patrimônio tombado.

O julgamento será retomado ainda nesta terça-feira, 9, com o voto do ministro Flávio Dino. Nos próximos dias, irão votar Luiz Fux, Cármen Lúcia e Crisitano Zanin, o presidente da Turma. Há sessões reservadas para o julgamento até sexta-feira, 12.

Ao votar pela condenação, Moraes não indicou a pena. A dosimetria será decidida posteriormente caso as condenações sejam confirmadas.

Além do voto de Moraes, a primeira parte da sessão, que durou mais de cinco horas, foi marcada por três pontos principais: a defesa, pelo ministro relator, da validade da delação de Mauro Cid; interrupções e reclamações do ministro Luiz Fux; e a exposição detalhada de Moraes, respaldada por um powerpoint, que apontou Bolsonaro como líder da organização criminosa e afirmou não haver dúvidas sobre a existência da tentativa de golpe de Estado.

O voto de Moraes

Moraes iniciou seu voto fazendo um paralelo com a ditadura militar para demonstrar como Bolsonaro e seus aliados atentaram contra o Estado Democrático de Direito. O relator citou o fechamento do Congresso Nacional após 1964, a edição do Ato Institucional nº 2 -- que estabeleceu eleições indiretas para Presidente -- e a suspensão da garantia do habeas corpus como marcos autoritários do período, estabelecendo um comparativo com a sequência de atos promovidos pelo grupo bolsonarista entre julho de 2021 e 8 de janeiro de 2023.

Em seguida, Moraes defendeu a validade da delação premiada de Mauro Cid, afastando alegações de nulidade apresentadas pelos advogados dos réus. Ele ressaltou que a colaboração foi regular e voluntária, com a própria defesa do delator reafirmando sua legitimidade.

"Os depoimentos posteriores foram regulares, necessários, segundo a Polícia Federal, para aprofundar investigações. Beira a litigância de má-fé dizer que os oito primeiros depoimentos foram oito delações contraditórias", afirmou o relator.

O ministro ainda apontou que a Justiça Eleitoral era tida como "o inimigo a ser derrotado" pelos acusados. Afirmou que Bolsonaro, enquanto líder da organização criminosa, intencionalmente fomentou informações falsas sobre o sistema eleitoral para provocar uma revolta popular em caso de derrota. Moraes chamou de “patrimônio nacional” e motivo de “orgulho nacional” o voto eletrônico. E afirmou que, por esse motivo, havia uma “narrativa mentirosa” para tentar desacreditar o sistema eleitoral eletrônico. 

Além disso, como prova da intenção de cometer um golpe de Estado, o magistrado relembrou uma declaração do ex-presidente, em que Bolsonaro afirmou: "Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória". E classificou o 8 de janeiro como ápice do plano golpista, destacando que tentativa de golpe "já consuma um crime".

“Não existe na história da humanidade um golpe em que os golpistas se colocam no banco dos réus”, afirmou Moraes, acrescentando que se a trama fosse bem sucedida, seriam o STF e outras instituições democráticas que estariam no banco dos réus.

O ministro detalhou como a estratégia golpista incluiu a utilização ilegal de órgãos públicos, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que, segundo ele, foi convertida em uma central de contrainteligência para disseminar narrativas falsas. Sobre as anotações golpistas na agenda do general Augusto Heleno, questionou: "Como alguém pode achar normal numa democracia, em pleno século 21, uma agenda golpista?".

O ministro também destacou episódios como os bloqueios da PRF no segundo turno das eleições -- que classificou como ato de "absurdo e desespero" -- e a reunião ministerial de 2022, onde integrantes do governo discutiram abertamente ataques às urnas e planos para manter Bolsonaro no poder.

"Nós estamos esquecendo aos poucos que Brasil quase volta a uma ditadura, que durou 20 anos, porque uma organização criminosa, liderada por Jair Bolsonaro, não sabe perder as eleições. [...] Tivemos 20 anos de torturas, desrespeito ao Judiciário. As pessoas sumiam, eram mortas, não é possível banalizar esse retorno a esses momentos obscuros da história", disse o ministro.

Ao ler as ameaças ao STF proferidas por Bolsonaro em 7 de setembro de 2021, Moraes elevou o tom de voz e afirmou, com indignação: "Qualquer estudante de primeiro ano de Direito vai caracterizar o que aconteceu como grave ameaça". Essa fala foi uma resposta direta à tese da defesa de que não houve ameaça concreta à democracia.

Além disso, recorreu a uma comparação com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para dimensionar a gravidade das mensagens trocadas entre o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) -- então diretor da Abin no governo Bolsonaro -- e o ex-presidente.

“Isso não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro. Isso é uma mensagem do então diretor da Abin para o presidente da República”, disse Moraes sobre a conduta dos réus, após a leitura de mensagens interceptadas pela Polícia Federal.

Interrupções, reclamações e isolamento de Fux
Em menos de seis minutos após o início do voto do relator, Fux já sinalizou um embate ao interrompê-lo para dizer que, em seu voto, ressaltará as preliminares sobre as quais o relator disse que não se debruçaria porque já foram rejeitadas pela Turma.

"Vossa Excelência está votando nas preliminares. Eu vou me reservar o direito de me manifestar sobre elas na oportunidade em que for votar. Desde o recebimento da denúncia, por uma questão de coerência, sempre ressalvei que fui vencido nas posições. Eu acho que voltarei a esse ponto. Muito embora, assim como Vossa Excelência está votando de forma direta [no mérito], eu também votarei diretamente, mas abordarei também as questões preliminares", disse Fux.

Em resposta, Moraes rebateu que todas as preliminares mencionadas já haviam sido rejeitadas por unanimidade no recebimento da denúncia e que não havia novos fatos que justificassem revisão da decisão. Lembrou ainda que o próprio Fux havia votado pela improcedência desses pedidos.

A interrupção aprofundou o isolamento de Fux na sessão. Enquanto Moraes dialogava nominalmente com ministros como Cármen Lúcia e Flávio Dino durante seu voto, Fux foi ignorado nas menções do relator.

O desconforto se ampliou quando Fux reclamou de um comentário de Flávio Dino durante a fala de Moraes, alegando um suposto acordo prévio para evitar interrupções. "O aparte foi pedido a mim, não a Vossa Excelência", retrucou Moraes. Dino completou com ironia: "Eu o tranquilizo porque não pedirei aparte a Vossa Excelência. Pode dormir em paz".

Powerpoint elenca "atos preparatórios"
Moraes também apresentou uma sequência de slides detalhando a estrutura e operação da organização criminosa. A apresentação colocou Jair Bolsonaro como líder do grupo e listou atos executórios atribuídos aos acusados, contrariando diretamente a tese da defesa do ex-presidente, que sustentava tratar-se meramente de "atos preparatórios" sem concretização.

Além de Bolsonaro, Moraes colocou os demais sete réus como participantes da organização criminosa, são eles: 

o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Walter Braga Netto;
o ex-ajudante de ordens Mauro Cid;
o almirante de esquadra que comandou a Marinha, Almir Garnier;
o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres;
o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno;
e o general e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.

13 atos
O relator também elencou o que chamou de "13 atos sequenciais" que, em seu ponto de vista, demonstrariam a interligação dos réus como a organização criminosa que tinha o objetivo de permanecer no poder:

Utilização de órgãos públicos pela organização criminosa para o monitoramento de adversários políticos e a execução da estratégia de atentar contra o Poder Judiciário, desacreditando a Justiça Eleitoral, o resultado das eleições de 2022 e a própria Democracia;
Atos executórios públicos com graves ameaças à Justiça Eleitoral: live do dia 29.07.2021, entrevista de 03/08/2021 e live de 04/08/2021 e as graves ameaçasà Justiça Eleitoral;
Tentativa, com emprego de grave ameaça, de restringir o exercício do Poder Judiciário, em 7 de setemebro de 2021;
Reunião ministerial de 05/07/2022;
Reunião com embaixadores de 18/07/2022;
Utilização indevida da estrutura da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições;
Utilização indevida da estrutura das forças armadas - relatório de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação do Ministério da Defesa;
Atos executórios após o segundo turno das eleições (live realizada em 04/11/2022, ações de monitoramento de autoridades em 21/11/2022; representação eleitoral para verificação extraordinária; reunião dos FE ("Kids Pretos") em 28/11/2022 e elaboração da Carta ao Comandante;
Planejamento do "Punhal Verde Amarelo" e "Operação Copa 2022";
Atos executórios seguintes ao planejamento "Punhal Verde Amarelo": monitoramento do presidente eleito, "operação Luneta", "Operação 142" e "Discurso Pós-Golpe";
Minuta do golpe de Estado e apresentação aos comandantes das Forças Armadas;
Tentativa de golpe de Estado em 08/01/2023; 
Existência de um gabinete de crise após a consumação do golpe de Estado.
Moraes elenca 13 atos para explicar trama golpista

Ainda durante a apresentação do Powerpoint, Moraes mencionou um ataque de Bolsonaro ao então presidente da Corte, Fux, e, em seguida, listou frases que tinham ele próprio como alvo.

"O réu Jair Bolsonaro, se dirigindo ao ministro presidente, Luiz Fux, disse: 'Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República'. Uma frase que confessa, novamente de viva voz perante milhares de pessoas, o crime de abolição do estado democrático de direito, que, como todos nós sabemos, diz tentar abolir. É uma clara ameaça de impedir ou restringir o livre exercício do Poder Judiciário", afirmou Moraes.

O relator do processo continuou afirmando que, por causa das ameaças, Fux precisou reforçar a segurança nos arredores do STF durante o feriado da Independência e nos dias subsequentes. 

Alegações finais
Em suas considerações finais, Moraes refletiu sobre a gravidade dos fatos, alertando que o tempo e a rotina podem banalizar a percepção da crise institucional vivida pelo País durante o governo Bolsonaro.

O relator afirmou que a tentativa de golpe de Estado, materializada em 8 de janeiro, só não ocorreu no dia da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) devido ao esquema de segurança reforçado na data. O ministro também caracterizou a viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos durante os ataques como parte da estratégia golpista para manter-se no poder. "O melhor disfarce foi ir ao exterior", declarou.

Ainda de acordo com o relator, a invasão dos Três Poderes foi a alternativa executada pela organização criminosa após a recusa de dois dos três comandantes das Forças Armadas em apoiar o golpe solicitado pelo ex-presidente. "No dia 9 [de janeiro de 2023], o réu Jair Bolsonaro postou apoiando os atos, e logo apagou, óbvio que os advogados dele devem ter falado: 'tira isso daí' ", disse Moraes.

“O que ocorreu em 8 de janeiro de 2023 não foi combustão espontânea. Foi a conclusão de um procedimento de tomada e manutenção de poder a qualquer custo por um grupo político que se transformou, lamentavelmente, em uma organização criminosa”, afirmou o relator.

A definição das penas para os condenados, no entanto, ainda aguarda a manifestação de todos os ministros. A dosimetria, que é o cálculo da pena, e a discussão sobre o regime de cumprimento -- aberto, semiaberto ou fechado -- ficará para a fase final do julgamento. O próximo a votar será o ministro Flávio Dino, seguido por Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A previsão é que o julgamento se estenda até 12 de setembro.

 

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